Está escuro, e no meio do escuro ouve-se um barulho algo fora do normal num quarto às escuras! Soa ao teclar de umas mãos meio tremulas, cujas unhas fazem um peck peck rápido e preciso tentando escrever algo parecido com o que vai na cabeça dela, e cujo nome não será problema, será insónia.

Da-se ao trabalho de chamar às preocupações deste dia uma "insónia". Retira, ao fim ao cabo, valor ao que se passou... Tenta, simplesmente para não pensar que podia ter sido um dia extremamente marcante pela negativa. Novamente o pior poderia ter acontecido, não fosse o sentimento, o não conseguir ver alguém de quem se gosta a chorar.

Sim, pesa-lhe no peito o facto de achar que sempre fará alguém sofrer com alguma atitude sua. O facto de estar, magoará sempre alguém... O facto de não estar, levará o sofrimento de alguém a um extremo menos comedido... Asneiras atrás de asneiras pois então...

Está escuro, e no meio do barulho peck peck das unhas nas teclas, ecoa uma música. Porque não vive sem música, e é mais fácil escrever assim, orientada pela música, desde que agrade "ao momento". Fica sempre mais fácil escrever assim, distraída do Mundo... Do frio... Da luz... Das horas até... Desde que tenha música!

O peck peck das unhas pintadas nas teclas continua e assim é mais fácil de escrever, mesmo que sobre ela própria, não tendo mais do que fazer do que pensar em tudo o que sempre pensa... Uma panóplia de temas, imagens vividas, personagens imitadas, músicas cantadas baixinho, pessoas salvas, dramas pessoais, vitimizações reais e irreais, amores, desilusões, saudades...

Está escuro, e a inércia continua a crescer sem se entender muito bem de onde vem e porque se vai instalando devagarinho.

Uma gata dorme no meio das suas pernas e o barulho peck peck das unhas pintadas de vermelho faz um ritmo amoroso com o ronronar do animal que não terá preocupações a não ser miar de manhã, dar mimo e pedir a sua latinha habitual. Um mimo da dona, que nem sabe se quando pára, a olhar para ela, não estarão as duas a pensar no mesmo... "ela será feliz"?

A música passa de faixa em faixa, e eis que surge outra melodia. Esta é outra carregada de recordações e momentos, e o barulho peck peck pára um momento para a cabeça pensar sossegada...

A música acaba... Outra vem logo a seguir, e o barulho peck peck recomeça, porque esta, mesmo com lembranças, a faz sorrir. Mesmo assim a faz sorrir no escuro do quarto iluminado pela luz do ecrã do computador acompanhado pelo ronronar da gata no meio das suas pernas.

Meia volta e este barulho peck peck incomoda o animal e não faz sentido no meio do escuro e da tal insónia que não é mais do que uma serie de preocupações, sentimentos, recordações, medos e ansiedades juntas... Como será o primeiro Natal fora de casa?

O barulho peck peck continua, mas vai para outro lado... Continua na sua cabeça, num formular constante de textos absurdos e fantásticos, porque o sono não vem mas o cansaço da vista, da posição complexa que lhe deixa as costas a gritarem por sossego, e da dor de cabeça cada vez mais intensa não lhe permite mais o deambular das mãos nas teclas e o tal barulho peck peck nas mesmas...

A gata mexeu-se, parou de ronronar... adormeceu completamente. As mãos vão parar sim, pedir à cabeça para sossegar, porque o corpo precisa do descanso já que amanhã é mais um grande dia!