Burton Norton

"O tempo presente e o tempo passado

Estão ambos talvez presentes no tempo futuro,

E o tempo futuro contido no tempo passado.

Se todo o tempo é eternamente presente

Todo o tempo é irredimível.

O que podia ter sido é uma abstracção

Permanecendo possibilidade perpétua

Apenas num mundo de especulação.

O que podia ter sido e o que foi

Tendem para um só fim, que é sempre presente.

Ecoam passos na memória

Ao longo do corredor que não seguimos

Em direcção à porta que nunca abrimos

Para o roseiral.

As minhas palavres ecoam

Assim, no teu espirito.

Mas para quêP

erturbar a poeira numa taça de folhas de rosa

Não sei.

Outros ecos

Habitam o jardim.

Vamos segui-los?

Depressa, disse a ave, procura-os, procura-os,

Na volta do caminho.

Através do primeiro portão,

No nosso primeiro mundo, seguiremos

O chamariz do tordo?

No nosso primeiro mundo.

Ali estavam eles, dignos, invisiveis,

Movendo-se sem pressão, sobre as folhas mortas,

No calor do outono, através do ar vibrante,

E a ave chamou, em resposta à

Música não ouvida dissimulada nos arbustos,

E o olhar oculto cruzou o espaço, pois as rosas

Tinham o ar de flores que são olhadas.

Ali estavam como nossos convidados, recebidos e recebendo.

Assim nos movemos com eles, em cerimonioso cortejo,

Ao longo da alameda deserta, no círculo de buxo,

Para espreitar o lago vazio.

Lago seco, cimento seco, contornos castanhos,

E o lago encheu-se com água feita de luz do sol,

E os lótus elevaram-se, devagar, devagar,

A superfície cintilava no coração da luz,

E eles estavam atrás de nós, reflectidos no lago.

Depois uma nuvem passou, e o lago ficou vazio.

Vai, disse a ave, pois as folhas estavam cheias de crianças,

Escondendo-se excitadamente.. contendo o riso.

Vai, vai, vai, disse a ave: o género humano

Não pode suportar muita realidade.

O tempo passado e o tempo futuro

O que podia ter sido e o que foi

Tendem para um só fim, que é sempre presente.

Alhos e safiras na lama

Coagulam o eixo fixo.

O arame que vibra no sangue

Canta sob inventeradas cicatrizes

Apaziguando guerras há muito esquecidas.

A dança ao longo da artéria

A circulação da linfa

Estão representadas no rumo dos astros

Elevam-se ao verão na árvore

Nós movemo-nos acima da árvore em movimento

Na luz sobre a folha imaginada

E ouvimos no solo molhado

Lá em baixo, o cão de caça e o javali

Prosseguirem o seu ciclo como antes

Mas reconciliados no meio dos astros.

No ponto morto do mundo em rotação.

Nem came nem espírito;

Nem de nem para;

no ponto morto, aí está a dança,

Mas nem paragem nem movimento.

E não se chame a isso fixidez,

Onde o passado e o futuro se reúnem.

Nem movimento de nem para,

Nem ascensâo nem declínio.

Se não fosse o ponto, o ponto morto,

Não haveria dança, e há só a dança.

Eu apenas posso dizer, estivemos ali: mas não posso dizer onde.

E não posso dizer por quanto tempo, pois seria situar isso no tempo.

A liberdade interior do desejo prático,

A libertação de acção e sofrimento, libertação da compulsãoInterior e exterior, e no entanto tendo à volta

Uma graça de sentido, uma luz branca em repouso e em movimento,

Erhebung sem movimento, concentração

Sem eliminação, ao mesmo tempo um novo mundo

E o velho tomado explícito, compreendida

No remate do seu êxtase parcial

A resolução do seu horror parcial.

Todavia o encadeamento de passado e futuro

Tecido na fraqueza do corpo em mutação

Protege a humanidade do céu e da danação

Que a carne não pode suportar.

O tempo passado e o tempo futuro

Apenas concedem um pouco de consciência.

Estar consciente é não estar no tempo

Mas apenas no tempo podem o momento no roseiral,

O momento no caramanchel onde a chuva batia,

O momento na igreja desabrigada ao entardecer

Ser lembrados; envolvidos em passado e futuro.

Apenas pelo tempo o tempo é conquistado.

Este é um lugar de desafeição

O tempo antes e o tempo depois

Numa luz sombria: nem luz do dia

Investindo a forma de lúcida quietude

Transformando a sombra em efémera beleza

Com vagarosa rotação sugerindo permanência

Nem escuridão para purificar a alma

Esvaziando o sensual pela privação

Purificando a afeição do temporal.

Nem plenitude nem vazio.

Apenas um tremeluzir

Sobre os rostos tensos devastados pelo tempo

Distraídos da distracção pela dístracção

Cheios de fantasias e vazios de sentido

Túmida apatia sem concentração

Homens e pedaços de papel remolnhando no vento frio

Que sopra antes e depois do tempo,

Vento que entra e sai de pulmões viciados

Tempo antes e tempo depois.

Eructação de almas doentias

No ar desbotado, os miasmas

Levados no vento que varre os sombrios montes de Londres,

Hampstead e Clerkenwell, Campden e Putney,Hihgate, Primrose e Ludgate.

Não aqui

Não aqui a escuridão, neste mundo de agitadas vozes.

Desce mais, desce apenas

Ao mundo da solidão perpétua,

Mundo não mundo, mas aquilo que não é mundo,

Escuridão interna, privação

E destituição de toda a propriedade,

Dissecação do mundo do sentido,

Evacuação do mundo da fantasia,

Inoperância do mundo do espírito;

Este é um dos caminhos, e o outro

É o mesmo, não em movimento

Mas abstenção de movimento; enquanto o mundo se move

Em apetência, nos seus caminhos metalizados

Do tempo passado e do tempo futuro.

O tempo e o sino enterraram o dia,

A nuvem negra arrebata o sol.

Irá voltar-se para nós o girassol, a clematite

Desprender-se, debruçar-se; irão a gavinha e a vergôntea

Unir-se e aderir?

Os frígidos

Dedos do teixo descerão

Para nos envolver?

Depois da asa do alcião

Ter respondido à luz com a luz e calar-se, a luz está em repouso

No ponto morto do mundo em rotação.

As palavras movem-se, a música move-se

Apenas no tempo; mas o que apenas vive

Apenas pode morrer. As palavras, depois de ditas,

Alcançam o silêncio. Apenas pela forma, pelo molde,

Podem as palavras ou a música alcançar

O repouso, tal como uma jarra chinesa ainda

Se move perpetuamente no seu repouso.

Não o repouso do violino, enquanto a nota dura,

Não isso apenas, mas a coexistência,

Ou digamos que o fim precede o princípio,

E que o fim e o princípio estiveram sempre ali

Antes do princípio e depois do fim.

E tudo é sempre agora. As palavras deformam-se,

Estalam e quebram-se por vezes, sob o fardo,

Sob a tensão, escorregam, deslizam, perecem,

Definham com imprecisão, não se mantêm,

Não ficam em repouso. Vozes estridentes

Ralhando, troçando, ou apenas tagarelando,

Assaltam-nas sempre. O Verbo no deserto

É muito atacado por vozes de tentação,

A sombra que chora na dança funérea,

O clamoroso lamento da quimera desconsolada.

O detalhe do molde é movimento,

Como na figura dos dez degraus.

O próprio desejo é movimento

Não desejável em si;

O próprio amor é inamovível,

Apenas a causa e o fim do movimento,

Intemporal, e sem desejo

Excepto no aspecto do tempo

Capturado sob a fonna de limitação

Entre o não ser e o ser.

De repente num raio de sol

Mesmo enquanto se move a poeira

Eleva-se o riso escondido

De crianças na folhagem

Depressa, aqui, agora, sempre

Ridículo o triste tempo inútilQue se estende antes e depois."

(T.S. Elliot)

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