A "chegada"
Há qualquer coisa de profundamente irresistível nas pessoas que nunca deixam de ter ar de criança. O olhar aceso de quem acabou de roubar chocolates da dispensa, o andar errático, os cabelos sempre despenteados, as mãos claras, direitas e sem marcas do tempo e o riso tímido como se fosse sempre a primeira vez.
São crianças para sempre e podem viver para sempre no coração de alguém. Dizem-me, "tu és assim", uma espécie de menina capaz de grandes tropelias que esconde a idade atrás da candura que nunca perde, apesar de todas as marcas que foi herdando dos dias... A infância guardada numa caixa escondida debaixo da cama, a adolescência dos copos e das saídas, o medo de não ser a mais forte e de se rirem de ti, a vontade de sair de casa e abraçar o mundo, e depois a solidão repartida entre as pessoas que desejaste e nunca tiveste e as outras, as que te incendiavam o corpo e te deixavam o coração em pedra porque nunca as amaste.
Hoje, que já cresceste e começaste a trabalhar, tens manhãs em que ao espelho, perguntas à tua imagem "quem és tu afinal"?! Tu, a viver numa cidade que não é tua nem de ninguém, numa casa pequena demais para os teus sonhos que se dissolvem no vapor do duche da mesma forma com que já perdeste uma ou duas pessoas e te lembras daquela coisa escondida que faz com que as pessoas continuem juntas pela vida, como se tivessem sido separadas à nascença e um fio invisível as voltasse a unir para sempre.
Perguntas à tua imagem, vestida de Primavera com os cabelos compridos e um sorriso tão sem idade como o teu, que vida é essa e se isso é um dom ou se é meramente uma capacidade... Imaginas a "chegada" como se ela se descesse de um baloiço suspenso das nuvens, as pernas compridas e os braços estendidos, o cheiro adocicado da pele, a boca a pedir atenção e o olhar a perguntar se a vais escolher, quando foi ela que já te escolheu e só te está a dar a ilusão que és tu que mandas nas tua vida. A "chegada"...
Ao espelho, onde vês o reflexo entre a mulher que és e aquela que ás vezes desejavas ser, respiras fundo e desejas que essa mulher chegue um dia com a "chegada", mas não demasiado cedo para te assustar nem demasiado tarde porque entretanto podes perder-te.
O que tu não sabes, é que do outro lado do espelho te vigiam de vez em quando, como se essa vigia fosse o teu avesso. Vigia que te da a protecção das memórias e das escolhas, como se fosse o teu presente e como se pudesse ser o teu futuro. Mas é ainda demasiado cedo, é ainda tempo de guardar no silêncio dos dias a vontade de querer. Tens de ter calma. É ainda de manhã e tu estás atrasada para o trabalho e eu estou adiantada na tua vida, eu, a "chegada", por isso respiro fundo contigo, do outro lado da tua imagem e espero... Sentada no baloiço da tua infância, lá mesmo em cima, para que não me vejas à espera que um dia dês o salto para o outro lado da tua vida e sejas quem sempre sonhaste para que te vejas ao espelho como eu já te vejo, como tu és... Um dom, uma capacidade, uma dádiva, uma postura na vida, um sorriso, um sol que ilumina uma sala.
3/18/2009 04:49:00 da tarde
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